This story is fiction, and any events or near-similar events in actual life which did transpire have not prejudiced the author toward any figures involved or uninvolved; in other words, the mind, the imagination, the creative facilities have been allowed to run freely, and that means invention, of which said is drawn and caused by living one year short of half a century with the human race . . . and is not narrowed down to any specific case, cases, newspaper stories, and was not written to harm, infer or do injustice to any of my fellow creatures involved in circumstances similar to the story to follow.


(Charles Bukowski, "The Murder Of Ramon Vasquez")

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Astrônomo de coração partido

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Até gostaria de falar mais dela, mas de Mirna ficou apenas o efêmero: como a tempestade que logo em seguida dá lugar ao sol. Perguntar o que é o efêmero diante do universo, por outro lado, tem pouco valor prático. Como não? Até o universo cedo ou tarde se desmanchará. O universo e o amor de Mirna, um e outro de fragilidade insuspeita.

Falemos do universo, então. A profundeza cósmica lembra Mirna. É que os olhos dela são escuros e escondem buracos negros: a matéria e você são tragados. Ela e o universo, do caos à supernova, início e fim fechando um ciclo. E sempre com estrondo.

De Mirna sobrou apenas poeira cósmica.

A astrofísica moderna diz que todos somos feitos de sóis. A ciência se desdiz a cada instante, mas isso faz sentido. Só assim posso entender os olhos de Mirna, escuros e de buracos negros escondidos. E o astrônomo, de coração partido, preferiria estar perdido nas imensidões de Alfa Centauro.

domingo, 24 de junho de 2012

Coisa marginal

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Um hai kai de cinquenta versos
É roubo à regra.
Mas tem regra por acaso
Essa coisa marginal
Que chamam
poesia?

*

(Para saber o que é hai kai, haikai, haiku, ver aqui).

segunda-feira, 18 de junho de 2012

O mau ator

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De Cecília por ora digo o seguinte: ela não amava a mim mas sim quem ela gostaria que eu fosse. Pois construiu, em sua alma de princesa tirana, um personagem de quinta e queria, eu, a representá-lo. De amante a ator: a Broadway dos corações enganados. Através de seus óculos cor-de-rosa eu recitava as falas que ela, como diretora teatral, empurrava em minhas mãos, e a pantomima prosseguia.

Ah, atores e dramaturgos desde a Grécia antiga! Sófocles perde. Com Cecília eu era apenas o que ela queria que eu fosse. Tentei romper o script; lágrimas. Tentei sair de cena; gritos e ranger de dentes. Tentei fechar as cortinas mas a plateia, uivando raivosa, lá estava exigindo que eu continuasse. E, pesaroso, eu deixava a ópera-bufa prosseguir, Cecília manipulando-me nas cordas como a um boneco.

Era preciso aproveitar a menor ocasião. Segundos para a troca de figurino- a oportunidade exata para fugir portas afora. Porque de Cecília por ora digo o seguinte: assim você não, você não pode ser feliz.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Noite em branco

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A noite em que Mirna disse "não sei, estou confusa", foi a mais longa de minha vida. Os físicos e astrônomos nos enganam: dizem que o dia tem vinte e quatro horas e que a noite ocupa metade disso. Esquecem de dizer que há noites que são duas, três, centenas de vezes isso; noites em que nos debatemos na cama impacientes, olhos abertos no escuro profundo. Noites em que voltamos ao relógio reiteradamente, ansiosos pela aurora. Quanto falta para o amanhecer?, nos perguntamos, quanto falta para Mirna?

Há noites assim, na história dos homens. Os jovens medievais, quando se sagravam cavaleiros, passavam a noite anterior à cerimônia em vigília rezando na capela. As horas noturnas antes da ordem de ataque, no campo de batalha. O atleta na véspera de uma competição importante. Até que se chegue ao exemplo da vigília por excelência, a agonia bíblica no jardim das oliveiras.

Noites em branco. Tão antigas quanto a Humanidade.

A noite em que Mirna disse "não tenho certeza, estou mal" durou exatamente quatrocentos e trinta e oito horas, mil e novecentos e treze minutos e setecentos e cinquenta e nove segundos. Talvez mais, pois o sol nunca demorou tanto a nascer como naquela ocasião. As noites polares duram um semestre. Mas mesmo que tarde, o dia vem sempre. Já de Mirna, eu nada sabia, não poderia saber se meu sol nasceria de novo.

sábado, 9 de junho de 2012

Oceanírico

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Já sonhei muitas vezes com amplidões marítimas, então aquele sonho não foi exatamente algo inusitado. Para onde quer que se olhasse, só se via mar: água tomando tudo, ruas e casas, igrejas e cemitérios, puteiros e tribunais. Um tsunami intenso, resoluto- e limpo. As águas eram de um azul-leitoso claro, suaves, como só águas de sonho podem ser. E tampouco eram águas de fúria. Ao contrário, cobriam a Humanidade com um quê de toque materno, como um cobertor cálido e amoroso.

Vocês já tiveram sonhos assim? Para onde quer que se volte os olhos, a imensidão das águas. A vastidão azul-leitosa, tão ampla que -paradoxo!- dá claustrofobia. O mundo como o conhecemos afogado, Atlântida redescoberta, o Rio como cidade submersa, em "Futuros Amantes" de Chico Buarque. O líquido superando o sólido. A água vence o concreto.

Estar cercado de águas, como uma ilha humana, não é uma sensação ruim. Os analistas que interpretem o simbolismo. A vida veio das águas, a evolução darwiniana nos mostrou. A expressão "oceano primordial" -não é um termo meu- está ecoando em minha cabeça nesse exato momento e talvez seja isso mesmo, a nostalgia atávica do oceano primordial.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Quando me disseram que ele desistiu

3 comentários:
Quando me disseram que ele desistiu, eu pensei, "que seja". Não se pode fazer muita coisa senão dar de ombros numa situação como essa. Apesar do que dizem, a derrota, assim como a vitória, só podem encontrar sua verdadeira dimensão dentro do derrotado ou do vitorioso, e nós de fora somos pálidos espectadores, por mais que nos solidarizemos. Dor e alegria são muito pessoais; por mais que tentemos sinceramente, só conseguimos arranhar a superfície. E ele desistiu, me falaram, e muito pouco podia ser feito disso.

Naturalmente, eu precisava refletir a respeito. Até mesmo desci e fui pra rua e, como fazia sol, perambulei pelo calçadão à beira-mar. E me coloquei a pensar sobre o que significa, precisamente, desistir nesse contexto. Faria sentido dizer que o detento que foge da penitenciária "desistiu" da cadeia? Que o faminto, ao comer, "desistiu" da fome, ou que o doente, ao se medicar, "desistiu" da doença? Porque a questão é simplesmente esta: o que nos obriga a algo se, decididamente, não há motivo plausível para tal? Desistir me parece uma palavra muito equivocada. O errado, ao contrário, está em insistir, na cadeia, na fome, na doença.

Há que deixar a natureza fazer seu trabalho, a natureza, que engloba esse mar e esse sol. Mas a natureza nos deu livre-arbítrio, que é conspurcado pela culpa e toda castração que a religião nos deixou. Uma vez saciados, pedimos a conta: é de uma simplicidade tal que talvez choque. Mas por que continuar no jogo, se já não há prazer no jogar? Se as fichas já acabaram e a banca levou tudo? Talvez o segredo esteja em ter esperança de que a maré se reverterá na próxima rodada. Mas a vida escoa enquanto aguardamos o golpe de sorte que não vem.

Dito isso, de olhar o mar e o sol, me dei por satisfeito. Voltei ao cotidiano, mas não gostaria, jamais, que dissessem de meu amigo que se tratava de um covarde, por ter desistido. Não direi que, ao contrário, covarde seja quem insiste. Não chego a tanto. Mas me parece óbvio que encostar o aço frio na própria têmpora não é, decididamente, coisa para fracos.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Arquiteto de sonhos

Um comentário:
Eu era um arquiteto de sonhos, enquanto aguardava por Mirna na mesa de bar. O futuro todo era erguido, de casas a filhos, de carros a empregos. Mirna simbolizava a mudança-em-si: o cenário diante de nós era novo. E eu, como um malabarista, rodopiava no ar tantas visões a se construir enquanto aguardava na mesa de bar.

Eu não imaginava o que era fantástico: repudiava as quimeras. Ao contrário, o que projetava era concreto, realizável, eu diria, sensível ao tato. Castelos no ar para fincá-los em terra firme. Queria aquilo que se consuma. Para longe de mim com as utopias, naquela mesa de bar, e gole sobre gole eu projetava nossas vidas.

Eu era um arquiteto de sonhos, então, mas de sonhos palpáveis. Pouco depois, contudo, aprendi que Mirna, também ela, nada mais era que ilusão fugaz.

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