This story is fiction, and any events or near-similar events in actual life which did transpire have not prejudiced the author toward any figures involved or uninvolved; in other words, the mind, the imagination, the creative facilities have been allowed to run freely, and that means invention, of which said is drawn and caused by living one year short of half a century with the human race . . . and is not narrowed down to any specific case, cases, newspaper stories, and was not written to harm, infer or do injustice to any of my fellow creatures involved in circumstances similar to the story to follow.


(Charles Bukowski, "The Murder Of Ramon Vasquez")

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Metáfora agrícola

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Após Mirna era tudo terra arrasada, e foi quando conheci Gisele. Raio de sol entre nuvens, talvez fosse ela o redespertar da primavera- e foi, mas apenas durante as conversas pela madrugada, como algo novo a se revelar. Mas o destino é pródigo em nos plantar falsas esperanças.

Digo isso porque, enquanto conversávamos na praça de alimentação do shopping, a mesa de bar entre nós, a Gisele que se descortinava para mim era sóbria e taciturna, tudo que eu não precisava. Pois a terra arrasada quer agricultores e sementes e água em abundância- cuidados, em outras palavras, coisa que a máscara de indiferença de Gisele desautorizava. Exaurida, a terra devastada por Mirna pedia o adubo fertilizante que só a expectativa do novo amor pode dar.

Gisele, ao contrário, era como a agricultora distraída, que não sente a necessidade do solo. Assim fenece o pouco que sobra, o solo uma vez úmido hoje desértico, dos pomares nada mais resta que cinza. E não se erguerão de novo por causa de Gisele, camponesa relapsa.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Ódio tardio

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Ao chegar na casa de Rodolfo, encontrei-o agitado. Na véspera, Nelson havia lhe feito um chiste, e agora se sentia ofendido. Rodolfo era assim: no dia seguinte se lembrava do fato banal da noite anterior e era tomado por um ódio tardio. "Calma, Rodolfo. Ele falou brincando", como sempre tentei colocar panos quentes, e como sempre era em vão. Rodolfo estava transtornado. Socou a parede- literalmente, socou a parede. "Aqui na cara dele!", urrou, e acho mesmo que as paredes do apartamento tremeram com o golpe. Diabos, estava mordido mesmo, pensei: a parede que era socada se metamorfoseara, na ira de Rodolfo, na cara de Nelson. Pobre Nelson- melhor ir preparando o funeral.

A despeito da ira assassina, Rodolfo quis me acompanhar ao Empório, em Ipanema. Na verdade jamais entrávamos no Empório; o bom mesmo era o lado de fora, tribos e tribos se esbarrando num clima de azaração regado a cerveja e marijuana. Cá estávamos, pois, e em dado momento Rodolfo desapareceu. Um golpe do destino pois, quem vem lá, o próprio Nelson em pessoa. Viu-me e me cumprimentou, e tratei, amigo zeloso que era, de alertar: "o homem tá uma fera contigo". Nelson, homem de letras e não de brigas, arregalou os olhos preocupado. Não compreendia, pois na noite anterior Rodolfo não mostrara contrariedade pela brincadeira. Rapidamente elocubramos formas de aplacar Rodolfo, mas sendo Rodolfo pior que uma mula, quando irado (mesmo que uma ira atrasada), pouca coisa pareceria ter êxito.

Nisso, olhando para nós com a expressão típica dos paranoicos -raivosa e dolorida-, a poucos metros, eis Rodolfo. Nelson deve ter gelado, e eu também, pois estava agora na posição de cúmplice de Nelson. Era preciso agir rápido: Nelson, talvez tirando a coragem do âmago, foi até Rodolfo de mão estendida disparando, "você tá com raiva de mim, cara?", e talvez a conduta direta tenha desarmado nosso irado amigo. Não ouvi o que falaram um com o outro -citei cerveja e marijuana, mas havia também o rock pesado como som ambiente- mas acabaram abraçados como os velhos amigos que de fato eram. Do ódio retardatário Rodolfo transmigrou para a pura ternura. Vocês precisavam ver, já de madrugada, Rodolfo e Nelson, cheios de bebida, indo para casa um escorado no outro.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Limpeza urbana

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Aqui ontem as crianças brincavam, hoje só sobra o lixo. Montanhas disformes em sacos de plástico preto, tomando a calçada e avançando para a pista. Os ratos passam céleres: rápidos e leves, podem correr por sob seus pés sem que você perceba. Ao chegar ao ralo do bueiro, porém, se tornam cautelosos. Esticam o corpo cinza-amarronzado para dentro e desaparecem no escuro. A cauda continua à vista, quinze centímetros pra fora, dura e balançante como uma antena, enquanto o dono esgueira-se esgoto adentro.

As baratas, também. De cada orifício de tampa de bueiro proliferam, marrons e brilhantes como que envernizadas. Tão grandes que arrastam consigo pedaços de comida maiores que o próprio corpo. Quanto mais abundância, mais ávidas ficam: correm para lá e para cá, frenéticas, vivendo o risco do esmagamento sob solas distraídas.

Do fedor não é preciso dizer. Alguém lembrou bem, "cheira à carniça", e ruas inteiras estavam tomadas por aquela fetidez. A nuvem de pestilência cobria quarteirões: o solo, ar e água, sujeira no mais alto grau, por onde quer que se olhasse, sem escapatória. "Essa é a 'cidade maravilhosa'", pensei comigo mesmo, prendendo a respiração e segurando o nojo, "o Rio de Janeiro das montanhas de lixo e baratas envernizadas".

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