This story is fiction, and any events or near-similar events in actual life which did transpire have not prejudiced the author toward any figures involved or uninvolved; in other words, the mind, the imagination, the creative facilities have been allowed to run freely, and that means invention, of which said is drawn and caused by living one year short of half a century with the human race . . . and is not narrowed down to any specific case, cases, newspaper stories, and was not written to harm, infer or do injustice to any of my fellow creatures involved in circumstances similar to the story to follow.


(Charles Bukowski, "The Murder Of Ramon Vasquez")

domingo, 8 de maio de 2011

Uma viagem de ônibus

4 comentários:
O ônibus descia veloz. Sem exageros, a velocidade normal naquelas circunstâncias, quando surgiu o outro, em sentido oposto, este sim muito, muito veloz. Ruas de mão dupla têm esse problema. Então veio o estalo, alto, e o pedaço do espelho raspando perigosamente pelo pescoço. Durou segundos, uma rápida comoção entre os passageiros -um e outro gritinho, se bem me lembro- e então entendemos o que se passou: o espelho retrovisor do outro ônibus se quebrou ao se chocar com o nosso, tão próximos passaram.

"Podia ser pior", pensei, visualizando aquelas cenas dantescas de metal retorcido- orgias de aço, sangue e vidro no asfalto. E apalpei o pescoço ligeiramente arranhado.

Ah, aquela linha de ônibus. Tinha algo de amaldiçoado: mil vezes bendito quem podia ir de metrô, táxi. Ou a pé. Cavalo, então, seria um luxo.

Um pouco mais adiante. O passageiro cismou que cismou que queria passar sem pagar passagem. Eu não dou a mínima para as empresas de ônibus- pro diabo com elas. Mas o motorista, e o cobrador, não têm nada a ver com a história. E começou a discussão: o passageiro caloteiro e os funcionários da empresa. Com que autoridade, ou sob qual argumento, o passageiro queria se livrar da tarifa eu não me lembro, mas estava evidentemente alcoolizado, e os bêbados não prezam pela plausibilidade de argumento.

O engraçado foi quando o motorista, um senhor de sotaque nordestino forte, largou o volante (o ônibus estava parado, naturalmente) e, dedo em riste, proferiu poucas e boas para o caloteiro. Daí foi tudo muito rápido, como no episódio do pedaço de retrovisor voando pescoço afora: o cobrador atravessou o corredor do ônibus como uma flecha e se embolou com o passageiro, caindo, literalmente, os dois, na rua.

Foi um deus-nos-acuda. As senhorinhas em pânico, o motorista ainda vociferando de dedo em riste, e cobrador e passageiro embolados na grama do Aterro do Flamengo. Foi impulso, mas desci do ônibus, eu e alguns outros passageiros, para apartar a briga. Só depois pensei naquelas histórias, de facadas e tiros sobrando para os pacifistas intrometidos que tentam apartar brigas. Mas, sendo o correto a se fazer, eis-me entre os brigões, separando-os, braços esticados como um Cristo. Os demais passageiros, pacifistas intrometidos como eu, fizeram suas partes e seguraram os "gladiadores", um pelo pescoço, outro pelo tronco. Mesmo seguros, ainda se xingavam, e me lembro de falar para o cobrador, "deixa disso, você tá trabalhando". Não sei se foi meu conselho, mas o cobrador voltou rápido para dentro do ônibus, tão rápido quanto se jogara sobre o passageiro segundos antes. O passageiro, do lado de fora, ainda vociferava, e chegou a segurar meu braço enquanto subíamos -eu e os demais passageiros pacifistas- de volta ao ônibus. O brigão ficou do lado de fora mesmo.

A viagem prosseguiu. Mas eu cá, olhando a Praia de Botafogo pela janela, amaldiçoava o dono da linha de ônibus. O filho da puta não utiliza os próprios serviços que disponibiliza: é rico demais pra isso. Ônibus fica para a raia miúda como nós, apartando brigas e quase tendo pescoços cortados por retrovisores assassinos.

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