This story is fiction, and any events or near-similar events in actual life which did transpire have not prejudiced the author toward any figures involved or uninvolved; in other words, the mind, the imagination, the creative facilities have been allowed to run freely, and that means invention, of which said is drawn and caused by living one year short of half a century with the human race . . . and is not narrowed down to any specific case, cases, newspaper stories, and was not written to harm, infer or do injustice to any of my fellow creatures involved in circumstances similar to the story to follow.


(Charles Bukowski, "The Murder Of Ramon Vasquez")

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Viver é beijar a lona

5 comentários:
Ele, é claro, não acusou o golpe. Que os miolos foram chacoalhados por aquele cruzado de direita todos perceberam, mas ele continuou lá, em pé, cara de durão, guarda alta como convém. Guarda alta agora- caso contrário, o cruzado não tinha entrado. "Porra, levanta essa guarda!", o córner dele gritou, "levanta essa guarda ou entra outro!". Não sei se ele ouvia: todos nós aqui embaixo escutavam atentamente, mas vai saber o que se passa quando se está , no ringue. Há sempre a impressão de que o mundo se resume àqueles parcos metros quadrados, e a Humanidade, ela toda, a um só sujeito, o oponente, que também está lá em pé com cara de durão louco para fazer picadinho de você. Acho que nem do árbitro da luta a gente se dá conta, só quando ele se mete entre os dois e encerra o combate, impedindo que sejamos exterminados.

Bem. Guarda alta ou não, outro torpedo entrou: dessa vez, a pose de durão se desmanchou, desmoronou, digamos, quando ele foi ao chão. "Calma, garoto", pensei, "é só um knockdown, não um knockout". Nada está perdido.

A diferença? Em um caso a gente beija a lona e volta. Na outra, fica de vez.

E ele voltou, antes que a contagem do árbitro chegasse ao "10". A pose de durão voltou, até mais raivosa, mas o sangue já vinha em bicas. A plateia urrou, dessa vez de satisfação. Sabem apreciar uma bela luta, canalhas, adorariam assistir decapitações num coliseu romano. Acontece que eu também urrei, adoro cenas de recuperação.

Mas quando não é pra ser, não é. Apesar de toda bronca do córner, apesar de toda pose de durão, guarda alta e o escambau, lá vai nosso amigo de novo pra lona, massacrado pelos torpedos, mísseis, bombas (atômica e H!) que o adversário despejava sobre ele. Dessa vez a contagem chegou ao "10", já era, o árbitro levanta o braço do vencedor e a turma da sua academia fazia a algazarra. Já nós, da academia do vencido, corríamos para socorrê-lo.

O derrotado estava abatido. Não era só o roxo e o sangue no rosto: era algo dentro dele. Ser lutador em meio expediente é difícil. Há que se alimentar bem, há que ter material, suplementos, tempo, médicos, fisioterapeutas. Mas como, se se trabalha num subemprego? É por isso que os torpedos do outro são mais fortes. São vitaminados. Os do nosso amigo, que agora apalpa o nariz castigado, são desnutridos.

Cheguei pra ele e disse: "Ei, parceiro, não fique assim. Isso foi só um knockdown. A contagem chegou ao '10', mas você está aí, respirando, pode ficar sobre as duas pernas. É, cara, você não perdeu. Só a morte é a derrota, só a morte é o knockout".

Até lá, segue-se lutando. Enfrentamos a vida, guarda alta e cara de durão. Podemos beijar a lona, mas levantamos.

Acho que ele entendeu o que eu quis dizer, e sorriu exibindo o protetor bucal sanguinolento.

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