This story is fiction, and any events or near-similar events in actual life which did transpire have not prejudiced the author toward any figures involved or uninvolved; in other words, the mind, the imagination, the creative facilities have been allowed to run freely, and that means invention, of which said is drawn and caused by living one year short of half a century with the human race . . . and is not narrowed down to any specific case, cases, newspaper stories, and was not written to harm, infer or do injustice to any of my fellow creatures involved in circumstances similar to the story to follow.


(Charles Bukowski, "The Murder Of Ramon Vasquez")

terça-feira, 19 de julho de 2011

Banheiro interrompido

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Esvaziar a bexiga cheia de cerveja é um prazer às raias do sexual. Quanto mais apertados estamos, mais desce rasgando na hora de liberar, e vem aquele gemido de alívio, aquela agonia toda descendo dourado-cristalina vaso sanitário abaixo. Conforme o aperto até sorrimos satisfeitos ao final. "Às vezes uma mijada é melhor que uma gozada", dizia um amigo meu, e tirando o exagero tem um fundo de razão. Além de tudo é diurético! Como podem implicar tanto assim com a cerveja, esse nobre elixir?

Estava eu então, devolvendo aquela cerveja toda, quando sinto a portinhola atrás de mim se abrindo. "Que porra é essa", pensei, "será que não se pode mais mijar sossegado?" Naquele boteco não havia banheiro masculino. Era uma cabinezinha de nada, com uma espécie de porta de saloon na entrada, com espaço suficiente para apenas uma ÚNICA pessoa. E aquela ÚNICA pessoa, no momento, era EU.

Olhei pra trás, acabando de esvaziar a bexiga. Era um sujeito, entrando meio cambaleante. "Ô, tem gente", eu disse. O sujeito me olhou desorientado mas ignorou meu alerta: queria se espremer comigo na cabine, onde só cabia uma ÚNICA pessoa. Nem fedendo que ia dividir o mictório com outro cabra. Mas como já tinha acabado, seria infantil ocupar a cabine por picuinha. Assim, me espremendo com o invasor, saí de lá, cedendo o lugar. Mas como fiquei puto com aqueles maus modos, encarei o sujeito e perguntei:

- "Tu mora onde?"

O sujeito me encarou sem dizer nada.

- "Tu mora na Ladeira?", perguntei de novo.

A Ladeira, bem entendido. Ladeira dos Tabajaras em Copacabana, acesso ao Morro dos Tabajaras. O bar ficava quase aos pés da favela. Perguntar se o sujeito morava lá era, além de intimidá-lo, uma forma de me proteger: vai que morava mesmo lá e estava "garantido". Mas não respondeu, ficou me encarando confusamente e balbuciando coisas ininteligíveis.

Perdi a paciência e voltei para o balcão do bar, onde minha cerveja já esquentava. Leandro continuava lá no mesmo lugar. Conosco estava algo como uma princesa africana, alta, mais alta do que eu, alta e exótica: visual nagô dos espaços, afromarciana, astronáuticonigeriana, congocosmogônica. A variedade humana de Copacabana é assombrosa: apenas lá podemos beber cerveja com princesas yorubá-futuristas.

Conversávamos então os três, eu e Leandro próximos ao balcão, em um degrau mais alto, a Princesa Africana ao nível do chão, de costas para a rua. Já tinha até esquecido o incidente do banheiro, quando vejo o intruso lá, a poucos metros. Cochichando com outro indivíduo e olhando em minha direção.

- "Olha, foi aquele ali", sussurrou o intruso do banheiro para o comparsa. "Foi aquele ali", repetiu malevolamente com olhar lesado de réptil bêbado.

Qual o quê. Sou filho de Ogum Guerreiro. Mantive a dupla em meu campo de visão, de soslaio, e me afastei alguns passos de Leandro e da Princesa Africana. Deixei a garrafa de cerveja ao alcance da minha mão. Ao menor sinal de ataque, desceria aquilo com toda força nos cornos do primeiro que ousasse.

Podem vir, sacanas.

Não bastasse interromper minha mijada, ainda querem confusão?

Podem vir.

Leandro e a Princesa Africana conversavam animadamente, cigarro atrás de cigarro, virando suas cervejas, sem perceberem a tensão no ar. Acho que ninguém no bar percebia: eram apenas eu, olhando de soslaio e pronto para reagir, e o mala do banheiro com o comparsa.

- "Deixa, cara, esquece isso", o comparsa disse. Sussurrou com o outro mas pude ouvir.

Finalmente alguém com bom senso, pensei.

- "Deixa pra lá", o comparsa repetiu. O mala do banheiro, tendo perdido seu único apoio, olhou desorientado, pro comparsa, pra mim, pro comparsa de novo, e então abaixou a cabeça. Acho até que continuaram pelo bar, mas não tornaram a perturbar. Parei de prestar atenção neles, em todo caso. Estava perdendo a conversa com a Princesa Africana e, jesus, não é todo dia que se bebe cerveja com uma Princesa Africana.

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