This story is fiction, and any events or near-similar events in actual life which did transpire have not prejudiced the author toward any figures involved or uninvolved; in other words, the mind, the imagination, the creative facilities have been allowed to run freely, and that means invention, of which said is drawn and caused by living one year short of half a century with the human race . . . and is not narrowed down to any specific case, cases, newspaper stories, and was not written to harm, infer or do injustice to any of my fellow creatures involved in circumstances similar to the story to follow.


(Charles Bukowski, "The Murder Of Ramon Vasquez")

domingo, 24 de abril de 2011

Rápido sonho com ela

Nenhum comentário:
Sonhou com ela, e em consequência a manhã toda se arrastou estranha. Talvez por ter perguntado por ela, talvez por uma nostalgia meio infantil, mas sonhou com ela, e foi bom o sonho. Abraços e beijos como um reencontro, ela excitada por lhe ver, lhe tocar, anos e anos e anos depois. A barriga cresceu e o cabelo já grisalho. Já ela, pelo menos no sonho, linda como sempre. Tanto assunto para colocar em dia! E ela sorrindo, nos seus braços, querendo nada a não ser ele.

Chuvoso lá fora. Golpe insidioso do Destino, fazê-lo sonhar com ela, agora que está tudo bem, agora que passou. Anos depois. Mas ei-la de novo, lhe assombrando como um fantasma antigo. Chove lá fora e teve, há pouco, um fantasma nos seus braços oníricos: morena e de longos cabelos perfumados. Como ela é nas suas lembranças. Dos cabelos não esquece jamais, como desciam pelos ombros, os olhos brilhando quando sorriam para ele.

Agora brilham para o marido. Viu no Facebook. Pobre coitado. Daria conta? Pois ela não é pra qualquer um. Não para um loser com o marido parecia ser.

Despeito puro, admitiu, e riu baixinho para si próprio.

Hoje é sábado, terá boteco logo mais. O fantasma moreno de olhos brilhantes lhe assombrando, o remédio era encher a cara.

sábado, 9 de abril de 2011

O diagnóstico

Nenhum comentário:
Ele viajava no metrô, sentado, Bukowski no colo. Bukowski foi acidente de percurso: era o que tinha no jornaleiro, tava baratinho, pegou e pagou. Mas gostou, ao menos distraía a mente. Porque era isso ou pensar no diagnóstico, fúnebre, sinistro, que ainda fazia eco na cabeça: tumor, possivelmente maligno. Sentiu um arrepio, o "possivelmente", em seus ouvidos impressionáveis, soando como "decididamente".

Há pouco, a Lagoa e Ipanema. Mas foi entrar na clínica, foi se submeter à biópsia, e o que era sol e luz virou treva e escuro, o "possivelmente maligno" soando cruel como uma sentença de morte. Mas havia esse livrinho de Bukowski, havia literatura -que sempre foi a salvação do sofredor, não disse John Cheever?- e havia moças bonitas no vagão. Tentou se distrair. Mas o fatalismo caiu feito uma capa de chumbo.

"Como levarei meu amor pela vida...?", pergunta um poema de Maiakovsky. Só que ele, e esse detalhe aumentava a angústia, nunca se ligou muito nisso de amor pela vida. Quando se está vivo, oras, vive-se e só. Alguém por acaso sente amor pela respiração? Por comer? Respira-se e come-se sem prestar muita atenção nisso. Ah, mas quando nos falta o ar, quando nos falta a comida...daí percebemos.

Quando nos falta a vida, é que ela se torna preciosa.

Ingrato, o ser humano. Apenas agora em que o "possivelmente maligno" ressoava nos ouvidos, é que ele percebeu o quanto cada segundo tem sua importância. Pensou em escrever um testamento-manifesto, algo como "ó homens, valorizem a vida!", mas pareceu algo absurdamente piegas e brega, ainda mais diante do Bukowski aberto no colo.

Porque Bukowski não queria saber de nada aquilo. Era durão. Osso duro de doer. Não ia ficar se lamuriando, porra, és um homem ou um rato? Literatura de macho. Porres e fodas, que mais um homem pode querer?

Ao longo da semana foi tocando a vida. Não faltou ao trabalho nenhum dia. Podia morrer em breve, mas que fosse na hora- antes, não. Não ia se abater. Até que veio o dia do diagnóstico final...Um dia arrastado, sombrio, claustrofóbico. É hoje a sentença de morte- ou de liberdade. Cinquenta a cinquenta. Façam suas apostas, ladies and gentlemen.

No consultório, o médico com o resultado em mãos.

-E então, doutor?

-Tecido tireoideano do lobo esquerdo exibindo vasocongestão e discreto infiltrado inflamatório mononuclear no interstício blá-blá-blá.

Minutos de parolagem.

-Blá-blá-blá reação gigantocitária e fibrose e parêquima cística blá-blá-blá.

E finalmente:

-Ausência de malignidade no material examinado.

-Doutor, mas então...Então...?

Daí o fantasma de Bukowski me soprou no ouvido:

-Não falei que não era porra nenhuma?

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...