Ele viajava no metrô, sentado, Bukowski no colo. Bukowski foi acidente de percurso: era o que tinha no jornaleiro, tava baratinho, pegou e pagou. Mas gostou, ao menos distraía a mente. Porque era isso ou pensar no diagnóstico, fúnebre, sinistro, que ainda fazia eco na cabeça: tumor, possivelmente maligno. Sentiu um arrepio, o "possivelmente", em seus ouvidos impressionáveis, soando como "decididamente".
Há pouco, a Lagoa e Ipanema. Mas foi entrar na clínica, foi se submeter à biópsia, e o que era sol e luz virou treva e escuro, o "possivelmente maligno" soando cruel como uma sentença de morte. Mas havia esse livrinho de Bukowski, havia literatura -que sempre foi a salvação do sofredor, não disse John Cheever?- e havia moças bonitas no vagão. Tentou se distrair. Mas o fatalismo caiu feito uma capa de chumbo.
"Como levarei meu amor pela vida...?", pergunta um poema de Maiakovsky. Só que ele, e esse detalhe aumentava a angústia, nunca se ligou muito nisso de amor pela vida. Quando se está vivo, oras, vive-se e só. Alguém por acaso sente amor pela respiração? Por comer? Respira-se e come-se sem prestar muita atenção nisso. Ah, mas quando nos falta o ar, quando nos falta a comida...daí percebemos.
Quando nos falta a vida, é que ela se torna preciosa.
Ingrato, o ser humano. Apenas agora em que o "possivelmente maligno" ressoava nos ouvidos, é que ele percebeu o quanto cada segundo tem sua importância. Pensou em escrever um testamento-manifesto, algo como "ó homens, valorizem a vida!", mas pareceu algo absurdamente piegas e brega, ainda mais diante do Bukowski aberto no colo.
Porque Bukowski não queria saber de nada aquilo. Era durão. Osso duro de doer. Não ia ficar se lamuriando, porra, és um homem ou um rato? Literatura de macho. Porres e fodas, que mais um homem pode querer?
Ao longo da semana foi tocando a vida. Não faltou ao trabalho nenhum dia. Podia morrer em breve, mas que fosse na hora- antes, não. Não ia se abater. Até que veio o dia do diagnóstico final...Um dia arrastado, sombrio, claustrofóbico. É hoje a sentença de morte- ou de liberdade. Cinquenta a cinquenta. Façam suas apostas, ladies and gentlemen.
No consultório, o médico com o resultado em mãos.
-E então, doutor?
-Tecido tireoideano do lobo esquerdo exibindo vasocongestão e discreto infiltrado inflamatório mononuclear no interstício blá-blá-blá.
Minutos de parolagem.
-Blá-blá-blá reação gigantocitária e fibrose e parêquima cística blá-blá-blá.
E finalmente:
-Ausência de malignidade no material examinado.
-Doutor, mas então...Então...?
Daí o fantasma de Bukowski me soprou no ouvido:
-Não falei que não era porra nenhuma?
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