Isso foi quando eu morava em Copacabana, isto é, no período antediluviano. Havia uma praça defronte ao apartamento, onde costumávamos brincar, muitos brinquedos e muitos mendigos, o primeiro contato, aos olhos infantis, com a miséria. Mas brincávamos e ignorávamos tudo, em meio a escorregas, balanços e aquele treco em que subimos, parecido com uma teia de aranha, uma profusão de tubos de metal formando uma espécie de gaiola.
O parquinho era legal, mas dava sempre vontade de variar. Tinha outro alguns quarteirões depois, mas também enjoava às vezes (apesar do magnífico castelo, tipo medieval, no qual era possível subir e contemplar o parque das amuradas, onde entrávamos esperando encontrar, naquela excitação infantil, cavaleiros em armadura). Nesse parque do castelo, aliás, eu sofri a primeira ameaça da minha vida: um menino mais velho disse que "quebraria minha cara" caso eu pisasse em seus carrinhos, espalhados pelo chão de terra. Quantas vezes eu ouvi a mesma bravata, ao longo da minha existência, perdi a conta- mas aquele foi o primeiro contato com o universo belicoso do ser humano.
E tinha também a praia, claro. Mas isso tudo enjoava.
"-Ah, vamos dar uma volta", disse a garota que tomava conta da gente. "Babá", não! Eu já era grande...E minha mãe sorria e me dava razão, mas deixava escapulir, minutos depois, "-chama sua babá...". "-Vamos dar uma volta", disse a moça de novo, e todos nós abraçamos imediatamente a ideia, felizes. Chega de ficar em apartamento, há um mundo lá fora- com teias de aranha de metal e cavaleiros andantes em armadura! E carrinhos a serem pisados, mesmo que isso nos custasse uma surra...
Só na portaria é que vimos que estava chovendo. E agora? Pro parque da frente não dava, pro parque do castelo também não, praia muito menos...Olhei choroso pra babá, digo, pra moça que tomava conta da gente. E ela, tentando nos animar: "-Ah, vamos andando...Pra qualquer lugar". Só que a chuva apertou, e precisamos buscar abrigo o mais rápido possível. Acabamos entrando na galeria de um prédio, tipo comercial, que providencialmente estava aberto, acessível. O prédio, lá dentro, era como qualquer outro- salvo uma portinha no fundo que, na nossa curiosidade, quisemos explorar.
"-Psiu!", disse a moça severa, cônscia de sua função, não querendo perder de vista aqueles moleques traquinas. Mas nem precisava ter nos chamado a atenção: paramos estupefatos, olhando aquele mundo à nossa frente. Porque nos fundos do prédio, além da porta, tinha um jardim com brinquedos. Um parquinho como aquele, escondido daquele jeito, era bastante inusitado. Mas quisemos explorar e, como ninguém barrou a passagem, corremos para os brinquedos. A própria moça ficou encantada, reparando o lugar bucólico, verde, pequeno mas aconchegante. Para nós, as crianças, os brinquedos eram os mesmos de sempre, mas tinha algo de mágico naquele lugar. A chuva tinha parado, e o cheiro de terra molhada daquele dia era como um perfume de fada. Brincamos a tarde inteira. Daí começou a escurecer e a moça nos levou de volta pra casa.
Não me lembro por que, mas nunca mais voltamos ao jardim do prédio. Acho que a moça que cuidava de nós foi dispensada, sendo substituída por outra que ligava menos para jardins escondidos em fundos de prédios.
Já barbado, passei um dia por aquela velha rua, e tive a impressão de ter identificado o prédio do jardim oculto. Estava modificado, com certeza passou por inúmeras reformas ao longo desses anos. Senti uma vontade imensa de entrar e rever aquele lugar mágico, mas percebi que papel ridículo eu estaria fazendo: o de um homem adulto encantado com brinquedos de criança. Hesitei um pouco mas acabei passando direto, sem parar.
Mas vou ser sincero, o porquê de não ter parado: a sensação de encantamento daquele dia foi tão intensa, que a impressão que se dá é a de que nada daquilo foi real.
Talvez, se voltássemos agora lá, neste exato momento, ninguém possa nos dar as devidas informações. Mesmo os porteiros mais antigos irão coçar a cabeça, intrigados, e dizer que nunca ouviram falar desse tal jardim nos fundos do prédio. O síndico vai dizer a mesma coisa, e talvez o morador mais velho de todos vá afirmar, de pés juntos, que nunca houve um jardim nos fundos do prédio.
Pensando hoje, olhando pra trás, talvez tenha sido mesmo imaginação de criança.
Ou então era uma porta para a Terra do Nunca, se abrindo a cada 100 anos.
ahhhhhhh que lindo!!! E que lindo lugar!
ResponderExcluirTalvez o único que re/exista de verdade dentro de você...
Amei!
Não conhecia mais este seu talento...
Obrigada pela viagem!
Beijocas-re/pousadas