This story is fiction, and any events or near-similar events in actual life which did transpire have not prejudiced the author toward any figures involved or uninvolved; in other words, the mind, the imagination, the creative facilities have been allowed to run freely, and that means invention, of which said is drawn and caused by living one year short of half a century with the human race . . . and is not narrowed down to any specific case, cases, newspaper stories, and was not written to harm, infer or do injustice to any of my fellow creatures involved in circumstances similar to the story to follow.


(Charles Bukowski, "The Murder Of Ramon Vasquez")

segunda-feira, 21 de março de 2011

"Canis moribundus"

O cachorro arfava e arfava. Dava dó: era osso puro, meio palmo de língua para fora, um olhar de incompreensão indescritível para nós. É por isso que acho o sofrimento animal pior que o sofrimento humano (sim, eu sei que o homem também é um animal): o bicho não entende, não compreende porque sofre. O homem não: é a dengue, imbecil!, a febre, a disenteria, o escorbuto, o câncer, que diabos, é a AIDS! E o homem entende, sofre mas entende, sabe do que se trata. Tá na internet, se quiser tirar dúvidas. Já o bicho é diferente. Tanta dor e sofrimento não entram em sua pequena mente, sente toda aquela dor mas, em sua cabecinha pouco evoluída, darwinianamente falando, não pode sequer cogitar o porquê de sofrer.

E Rex estava lá, as costelas à mostra. Se tem algo que me dói, nos "Cem anos de solidão" de Gabriel Garcia Márquez, é a senilidade inexorável, atingindo a todos os personagens. O meu velho cachorro era presa da mesma doença senil, da mesma decadência da idade. Há coisa mais triste que a velhice? Joelhos que não se aguentam, dedos que mal se fecham, voz débil...É como voltar à infância pelo contrário. A diferença é que a infância tem vida diante de si, já a velhice, morte.

Ganiu fraco. Até para isso fazia esforço.

Mas não era só a idade que estava acabando com ele. O veterinário mostrou no ultrassom: "-Olha, o tumor", e na tela apareceu aquela monstruosidade. "-Olha, outro", e ia passando a máquina pelo corpo do bicho. Sim, idiota, é um tumor, e outro e outro e outro. É por isso que estou no veterinário, não é mesmo? "-Olha..." Você não trata exatamente dessas coisas? Não é para isso que vocês servem?

"-Olha...", e o veterinário explicava desajeitadamente. "-Olha...", ok, ok, já entendi. Não tem cura. O paciente é irracional, eu não.

Pego Rex no colo. Pesa quase nada. Muito fraco para sair sobre as próprias patas. Me dirijo à saída.

"-Olha...A conta...".

Mercenário.

Em casa, a família debatendo. EUTANÁSIA JAMAIS. É um homicídio na minha opinião. Sim, "homicídio", "homi", homo, homem, "cídio", caedere, matar. Rex não era um homem, mas, porra, para mim era como se fosse. Fora de questão. Tiver que morrer, e realmente irá -e o irmão mais novo fez cara de choro nessa parte- que fosse naturalmente. E assim fomos tocando a vida, tentando fazer os últimos dias de Rex os melhores possíveis: curtos passeios, na medida certa para não extenuá-lo, a comidinha mais saborosa (pra quê dieta, quando se é moribundo?), brinquedos e brincadeiras- até um idoso como Rex gosta de diversão.

É claro que isso teria um fim muito em breve. Cada vez mais fraco, os ganidos já gemidos de moribundo. Pobre Rex.

Fui trabalhar e lhe dei um beijo de despedida. Até mais tarde!

À noite, voltei para casa. A família toda na sala, chorando, a mãe de olhos vermelhos. Mas o que aconteceu? O que houve?

"-Olha..."

2 comentários:

  1. Texto bem legal. Gosto do modo como vc escreve, é direto quando precisa e poético quando não se esta tratando da teoria.
    O amigo tocou em um ponto que me deixou em dúvida, seria o autor a favor da eutanásia humana ou contrário como no casa da morte assistida de seres ditos irracionais?

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  2. A princípio contra. Mas entendo ser uma decisão dificílima, muito pessoal.

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