Encostado nos carros no escuro da rua, eu despejava ao celular tudo o que sentia, o tudo como expressão real, sensível (no sentido de tocável) do sentimento, "sentimento sensível", ficou ruim mas é isso mesmo. A redundância às vezes ajuda. E com Mirna eu era mais que redundante, era um disco em alta rotação, meu alfabeto não terminava no "z" pois voltava ao "a", o fim emendado no começo e tudo prosseguia ad infinitum.
Pois eu não me cansava de dizer que estava entregue. A entrega cabal do meu coração, vermelho e palpitante, nas mãos de menina. Um homem orgulhoso não pode entender o que é isso, o orgulho faz de tudo ridículo, mas quando a entrega é total nos despimos também do ridículo (aliás nos despimos tanto que sobra quase nada). Eu não me cansava de dizer que estava entregue, e repetia e repetia.
Pelo celular ela ouvia, ria e incentivava. Talvez a vaidade, de ter o coração de um homem em suas mãos, talvez o medo, de ter o coração de um homem em suas mãos. Mas nem um nem outro Mirna transparecia, e ouvia, ria e incentivava. E dizia que com ela estava sendo assim também.
Acho que foi um erro, lembrando hoje, ter reiteradamente repetido que estava entregue. Vaidade ou medo, não são sentimentos bons de estimular. Mas, e eu pensava essas coisas enquanto desligava o celular e caminhava para casa, uma vez entregue não se pode mais voltar atrás.
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