Uma das coisas mais legais, se é que se pode falar assim, num surto de febre, são os calafrios. Eu gosto de sentir frio e talvez esse seja um complexo de morador dos trópicos escaldantes, e é claro que os calafrios de febre não são o frio natural, mas é engraçado tremer debaixo das cobertas enquanto está sol claro lá fora. De resto, é tudo fraqueza e prostração: mesmo pensar exige esforço hercúleo, e levantar pra comer, então, nem Hércules em pessoa.
Nesse dia a febre estava alta, logo, e os calafrios devidamente presentes. Mas não havia cama nem cobertas: estava no escritório e ainda tinha um compromisso. Ir ou não ir? Esqueçamos o dever? Mas era importante, e lutei -já não mais Hércules, mas também Perseu e Teseu e a mitologia toda- contra tudo (esqueci de citar as dores nas juntas) e rumei para o compromisso.
Foi aí que percebi uma coisa, enquanto chegava à Cinelândia. Conforme eu andava mais e mais, a sensação de mal-estar diminuía. O ato de andar deixava para trás febre alta e dores e catarro e calafrios. Experimentei apertar o passo, e vi que quanto mais me movimentava mais melhorava. Os médicos receitam repouso, mas me ocorre que na morte já há repouso o suficiente, e que estar vivo é justamente questão de movimento. O ato soberano de caminhar deixa para trás todas as mazelas, e então pensei como aquela lição era bonita, como o ato de continuar andando deixa pra trás as dores.