Foi um dia em que chovia bastante e o ar-condicionado nublava a janela. A cidade, através do vidro embaçado, parecia como que congelada num cristal de sonho. Formas vagas e indistintas lá fora, movendo-se devagar como em fluido viscoso. O cristal de sonho é inquebrável e os homens, absortos, deslizavam lentos de preocupação a preocupação.
Assim transcorria a vida dos terráqueos, vista pela janela embaçada de chuva e ar-condicionado: uma tela leitosa e grudenta como teia, úmida e diáfana, na qual os dramas e comédias se desenrolam. Quanto a mim, quem me visse a partir da rua teria a mesma impressão. Mesmo porque dentro ou fora é questão de perspectiva e nada escapa ao fluido viscoso.
Deve ser assim na superfícia de Júpiter, pensei eu, ou de Urano ou de qualquer outro planeta gasoso. Seus habitantes -caso os tenham, e quem sabe se não os têm- marchando pelo fluido leitoso, pés delicados tocando nuvens, lentos, bem lentos, através do vapor primordial. Caldo de gás que a tudo envolve, enquanto também deslizam, lentos, de preocupação -sim, também eles, os habitantes de Júpiter e de Urano- a preocupação.