O tempo é curativo, o tempo permite olhar pra trás com melhores olhos. Ontem não sabia, agora sim; amanhã mais ainda. E tempos depois eis Mirna, mas Mirna como que congelada no calendário. Mirna que mantém o mesmo espírito, o mesmo temperamento, e quando digo isso me refiro também ao aspecto ruim. Mirna que não alçou vôo, que não rompeu o círculo, Mirna que mantém a tradição trágica dos antepassados.
A Mirna sem progresso algum.
Já eu esse tempo todo... Ah, os livros que li, as experiências que vivenciei. Da sarjeta ao céu, o despencar na cauda do cometa, o flutuar na estratosfera. Eu que fui ao limbo e voltei, e que como o sufi Rumi rasguei minhas roupas em pedaços, eu que já não queria nada, eu que passei a querer. Ah, e os lugares... Vocês já falaram com o Diabo cara a cara? Tenho a impressão da minha alma crescer ao ritmo do universo.
Mirna, não. Optou pelo pequeno, pelo prosaico, pelo rapaz da cidadezinha vizinha. Serei justo: não é que ela não queira partir. Sente o impulso, mas é mais forte que ela. O círculo vicioso aperta como uma anaconda. Mirna está fadada a mera mãe de família, matrona feliz a costurar as meias do rapaz da cidadezinha.
Reencontrar Mirna tanto tempo depois é estranho. Deixando de fora a beleza pouco resta. A frugalidade, quem sabe a inconsistência, o espírito volúvel; o egoísmo, talvez. Imaturidade, decerto. Vendo com os óculos do tempo passado, concluo: sem Mirna, fiz vôos maiores. Foi melhor assim, e respiro sereno, como um homem que relembra sem mágoas uma tragédia há muito passada.
Assomando no horizonte, enquanto isso, está Alice, como uma promessa (ou uma ameaça).
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