Ao chegar na casa de Rodolfo, encontrei-o agitado. Na véspera, Nelson havia lhe feito um chiste, e agora se sentia ofendido. Rodolfo era assim: no dia seguinte se lembrava do fato banal da noite anterior e era tomado por um ódio tardio. "Calma, Rodolfo. Ele falou brincando", como sempre tentei colocar panos quentes, e como sempre era em vão. Rodolfo estava transtornado. Socou a parede- literalmente, socou a parede. "Aqui na cara dele!", urrou, e acho mesmo que as paredes do apartamento tremeram com o golpe. Diabos, estava mordido mesmo, pensei: a parede que era socada se metamorfoseara, na ira de Rodolfo, na cara de Nelson. Pobre Nelson- melhor ir preparando o funeral.
A despeito da ira assassina, Rodolfo quis me acompanhar ao Empório, em Ipanema. Na verdade jamais entrávamos no Empório; o bom mesmo era o lado de fora, tribos e tribos se esbarrando num clima de azaração regado a cerveja e marijuana. Cá estávamos, pois, e em dado momento Rodolfo desapareceu. Um golpe do destino pois, quem vem lá, o próprio Nelson em pessoa. Viu-me e me cumprimentou, e tratei, amigo zeloso que era, de alertar: "o homem tá uma fera contigo". Nelson, homem de letras e não de brigas, arregalou os olhos preocupado. Não compreendia, pois na noite anterior Rodolfo não mostrara contrariedade pela brincadeira. Rapidamente elocubramos formas de aplacar Rodolfo, mas sendo Rodolfo pior que uma mula, quando irado (mesmo que uma ira atrasada), pouca coisa pareceria ter êxito.
Nisso, olhando para nós com a expressão típica dos paranoicos -raivosa e dolorida-, a poucos metros, eis Rodolfo. Nelson deve ter gelado, e eu também, pois estava agora na posição de cúmplice de Nelson. Era preciso agir rápido: Nelson, talvez tirando a coragem do âmago, foi até Rodolfo de mão estendida disparando, "você tá com raiva de mim, cara?", e talvez a conduta direta tenha desarmado nosso irado amigo. Não ouvi o que falaram um com o outro -citei cerveja e marijuana, mas havia também o rock pesado como som ambiente- mas acabaram abraçados como os velhos amigos que de fato eram. Do ódio retardatário Rodolfo transmigrou para a pura ternura. Vocês precisavam ver, já de madrugada, Rodolfo e Nelson, cheios de bebida, indo para casa um escorado no outro.