"Quando me sinto mal sinto uma dor aqui", e ele apontou pro lado esquerdo do flanco, o fígado, o pâncreas, sei lá, nada entendo de anatomia. "É assim mesmo", eu falei, "isso se chama SOMATIZAR", bem pronunciado, pois ele certamente nunca ouvira aquela palavra. "É quando o corpo é afetado pelo emocional", e ele fez careta e mais não disse.
Pro diabo dores no corpo. O mundo inteiro é uma grande chaga: dor por toda parte. Mas não disse isso a ele, ia botar culpa na bebida ou, pior ainda, na amargura pela derrota do meu time.
"Ei, conversou com ela?", perguntou, "e aí?". E aí que não deu em nada, tiro n’água, ele fez careta de novo, ao menos você tentou né, é, e mais não disse.
"Ei, cara, é a dor de novo, acho que deveria parar de beber", e apalpou o local, e fez careta de novo, e mais não disse. "Pare de beber", concordei, pare de beber e de respirar, e de comer também, acrescentei, e ele estranhou e expliquei, beber é uma necessidade humana, todas as culturas sempre beberam e beberam, às vezes é a única coisa que resta.
"Pô, cara, nada a ver, você tá viajando", fez careta mais nada dizendo.
Eu decerto estava viajando.
Olhei pra lua alva feito ovo já despontando. Viajávamos nós todos, a lua também, literalmente falando. Tudo se move, a via-láctea inclusive, não há nada estático. Viajamos.
Mas à pergunta, "para onde?", silêncio total.
Lembrei dela dizendo, "que vida difícil". Dei o último gole, fiz uma careta e mais não disse.