This story is fiction, and any events or near-similar events in actual life which did transpire have not prejudiced the author toward any figures involved or uninvolved; in other words, the mind, the imagination, the creative facilities have been allowed to run freely, and that means invention, of which said is drawn and caused by living one year short of half a century with the human race . . . and is not narrowed down to any specific case, cases, newspaper stories, and was not written to harm, infer or do injustice to any of my fellow creatures involved in circumstances similar to the story to follow.


(Charles Bukowski, "The Murder Of Ramon Vasquez")

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Schumann ouvindo vozes de anjos

Um comentário:
Schumann ouvindo vozes de anjos
e sempre falam com doçura
aqueles cicios e sussurros angelicais
e os suspiros, e os
gemidos
tudo isso lhe falam os anjos ao ouvido

Robert aperta os olhos, sorri ora em êxtase
ora em pânico

aperta os olhos e pensa na próxima melodia
nos acordes de seu órgão

o angelical órgão de Robert Schumann
passando um pouquinho
daquilo que os anjos
lhe sussurram

às vezes são os diabos, todos eles
ao ouvido blasfemando

e Robert aperta os olhos, sorri ora em pânico
ora em êxtase

tão diabólicas aquelas vozes daqueles anjos tão
angelicais como
só Lúcifer seria, ele
que era
anjo e diabo

e Robert corre ao piano
e ali derrama tudo
ora em pânico ora em êxtase

o angelical órgão de Robert Schumann

estremece às vezes, por ora,
quando Schubert em espírito vem lhe falar
e cicia e sussurra em seu ouvido
o velho Schubert e suas artimanhas

e ao piano, bravo!, Robert,

compõe música ao mesmo tempo de anjo e de demônio

e já Robert saltando no delírio suicida
a bocarra aberta do rio
Robert que já não aguenta
os anjos ao ouvido

Clara! você também anjo
na melancolia angelical de ver o marido
balbuciando, Clara, sobre anjos
de ver o marido recolhido ao sanatório

na melancolia angelical de ver Robert,
ele que ouvia anjos

-ao leito de morte, já sem falar-

em êxtase e em pânico
batendo asas como um deles.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Pensarão os entes queridos

Um comentário:
Quando eu morrer e meus entes queridos vierem fechar minha conta bancária, contas de email, perfis em redes sociais, chegarão a este blog e sentirão uma leve tristeza. Pensarão: não é que ele fosse confuso. Apenas sentia demais. Ele tentou, pensarão os entes queridos, colorir um pouco isso tudo; porque é tudo tão cinza e monótono que só a literatura pode dar remédio. Mesmo que seja, pensarão os entes queridos, literatura como a dele.

Lerão cuidadosamente os posts, se perguntando quem seriam, afinal, os personagens que assombram o blog. Existiram ou mera fábula? Ele era tão reservado, pensarão consigo, que sequer lhes permitia conhecer a fundo o coração. E assim, desajeitadamente, despejava segredo após segredo- mesmo que o segredo nada significasse. É que, sem segredos, tudo seguiria cinza e monótono, já falamos acima.

Sim- já falamos acima.

E, como tudo já foi falado antes, os entes queridos, mesmo com uma pontinha de remorso, apertarão o "delete". Que os mortos enterrem os mortos.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Asas longas e brancas

2 comentários:
Asas longas e brancas
refletindo a luz

pousou como um anjo
ao sol daquela manhã

na copa da árvore
a garça
sobre o Rio Maracanã.

sábado, 27 de julho de 2013

Coração gelado

Um comentário:
Daí ela diz, "meu coração está congelando".

Nem o frio polar, nem o frio mais antártico possível... Nem o frio de Plutão poderia congelar aquele coração. Mas ela diz, "meu coração está congelando". E eu acredito. Acendamos uma lareira do tamanho do mundo- mas isso bastará?

E não é só. Ela prossegue, "se você está com alguém, sente falta de espaço, de liberdade, se está solteiro, às vezes sente falta de alguém". Entendo essa contradição. E, por isso, não a recrimino. Já me senti assim muitas vezes. Essa sensação, a de uma pedra gelada, e não um órgão vivo, batendo no peito. Não é uma sensação agradável: parece haver apenas escuridão ao redor onde, na verdade, haveria cor. Mas já não há cores senão o cinza do coração gelado.

Queria dar cor a esse mundo. Aquecer esse coração, devolver-lhe a vida. Fazê-la sorrir e, olha só, ela que reclama do gelo pode, ela mesma, com um mero sorrir incendiar esse mundo.

sábado, 13 de julho de 2013

Você sempre trazendo música

3 comentários:
E ela diz
"você sempre trazendo música
para nosso papo"

e é verdade

letra
melodias, acordes
versos
sustenidos, bemol, menor, maior e à sétima

sempre entre nós
em nossas conversas

no som da voz dela

em gemidos e suspiros

pela madrugada é tudo música

ela sempre
minha
acústica

o nome é sonoro

toda a sinfonia
é pensar nela.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Fantasmas que um dia amei

Um comentário:
Como um homem que, no leito de morte, rememora os tempos vividos, eu, agora, também olho para trás. E, vindos do passado, surgem, vaporosos, fantasmas que um dia amei. Todas elas: Vanessa morena, Cecília, Gisela que não chegou a ser, Mirna que tira o chão de nossos pés, e, na distante torre de mármore, Alice da melancolia lunar.

Há outras? Sim, vivas na lembrança do toque, da voz, do cheiro. E do olhar, às vezes o mero olhar, naquele momento em que, casualmente, olhares se encontram. Há orgasmos que esquecemos, há olhares que carregamos como marcados a brasa. Também esses fantasmas sutis vêm à tona, e o tempo lhes deixa ainda mais sutis, mais efêmeros, como algo escoando, lenta, mas inexoravelmente, pelo ralo. Estão aqui, os fantasmas, mas o tempo vai tragando-os. Tento segurá-los ao máximo.

No leito de morte do meu coração, rememoro os tempos vividos. Gosto de rememorar, mesmo estando no leito de morte, por isso tento segurá-los ao máximo. Fazem com que eu ainda me sinta vivo. É que hoje, restados o fel e a desilusão, elas todas, esses velhos fantasmas, acenam de uma época em que eu acreditava na vida.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Uma coisa interessante quando pensamos nelas

Nenhum comentário:
Uma coisa interessante
quando pensamos nelas:

nelas, bem entendido

as prostitutas, putas
meretrizes, mulheres de vida
fácil
e todos aqueles nomes que o povo lhes dá.

Essas que recebem para nos amar
e tudo bem que seja assim,
mediante paga ou não
orgasmos são orgasmos.

Mas a coisa interessante
sobre a qual quero falar
é a seguinte:

elas se deitam conosco
por momentos tão efêmeros
é rápido, fugaz

gozamos, pagamos

nunca tornamos a vê-las
seus nomes, não lembramos
a feição do rosto, também não

mas o perfume

e é sempre um perfume barato

fica em nós, em nossas roupas
ao longo do dia ainda o sentimos.

O gozo é passageiro
-essa é a coisa interessante
mas o perfume
é duradouro.

sábado, 29 de junho de 2013

E era tudo muito cinza

Nenhum comentário:
Lendo
The Doors
e ouvindo
Bukowski

digo, o contrário

foi quando percebi
no ônibus

que as nuvens pareciam como
emplastadas no céu

e era tudo muito cinza
e um pouco
sujo.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Quanto mais você sente mais você sofre

Um comentário:
Quanto mais você sente
mais você sofre.

Repare que os insensíveis
são os brutos, os imbecis,
burros e loucos
mancos de espírito
idiotas, obtusos, limitados, estreitos
atrasados, reduzidos, míopes
ou mesmo cegos.

Aliás

os cegos são felizes
porque não enxergam um palmo à frente
felizes porque
não veem as coisas
como elas são.

Quanto melhor sua visão
então
mais acurados seus olhos
então

podemos concluir
mais você sofrerá.

Isto é

se você sofre
é porque sente muito
consegue sentir,
ver, tocar
muito

muito.

Claro, eu sei
isso não é consolo.

domingo, 9 de junho de 2013

Mas não, jamais, se humilhe

Um comentário:
Ah! Resistamos à foto dela
nada de telefonar
mandar emails
bater à porta
ou enviar recados

vamos resistir, esqueçamos
apesar daquele olhar certeiro na fotografia
sejamos homens, sejamos
fortes

nada de importuná-la
nada de acordá-la na madrugada

nada de perder a voz ao telefone
e deixá-la sozinha, "alô? alô?"

nada de nos humilharmos
de nos sujeitarmos
rastejarmos

sejamos homens, sejamos
fortes

ok? nada disso.

Mas ela é linda, e, eu sei
não faz mal
ficar aqui apenas
observando a foto
dela, o olhar
certeiro na fotografia

e o sorriso, eu sei,
não faz mal

olhe um pouco

sinta um pouco

lembre um pouco

mas não,  jamais,
se humilhe.

Resista.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

O mesmo cheiro de mar

Nenhum comentário:
A brisa que vem, enquanto caminho rumo ao Fórum, é oceânica mas com um tom caseiro. Vem do mar, mas não evoca amplidões distantes, e sim praias calmas onde deitamos ao sol. Precisamente me lembra um dia, anos atrás, uma tarde na Praia do Flamengo. Prova da faculdade à noite mas eu não me importava: ao invés de ficar em casa estudando estava lá deitado na areia, fazendo da camisa toalha, braços abertos ao sol. Não me lembro que música ouvia nos fones. A calma daquela tarde sobrepuja a lembrança dos demais detalhes. E aquela tarde passou assim, tranquila, eu vagabundando ao sol, a praia vazia em um dia de semana qualquer. Sol e paz.

E a brisa. A caminho do Fórum vem o mesmo cheiro de mar, anos depois, quando, jovem, nada me perturbava, muito menos uma prova de faculdade à noite.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Qualquer uma dessas pequenas notícias banais

Nenhum comentário:
Entardecia e, por mais não ter o que fazer, fiquei a observar as pessoas. Naquela esquina estava por exemplo um senhor grisalho, bem vestido mas não formal a ponto de ser um advogado. Falava ao celular: e foi o modo como falava que atraiu minha atenção. Olhos vermelhos, expressão tensa, parecendo ao mesmo tempo resignado e desesperado, sol e chuva, a encarnação das antíteses. E falava pouco. Apenas monossílabos ao aparelho, basicamente confirmando, endossando, aquilo que o interlocutor falava. Mas como lhe parecia sofrido! Engolia a explosão e se resignava em silêncio.

Que diabos ouvia? Estava longe para captar alguma coisa e sou ruim de leitura labial. Portanto resta apenas conjeturar, digamos, a notícia da demissão, da traição da esposa, da morte de alguém, o meteoro implacável rumo à Terra, uma nova epidemia mortal, uma declaração de guerra, qualquer uma dessas pequenas notícias banais da vida mundana que nós recebemos, rotineiramente, pelo celular num entardecer do centro da cidade.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Ela, após abrir o coração

2 comentários:
Ela disse tudo
de uma vez
como uma torrente.

E então se calou.

Já vi essas coisas antes.

Por exemplo
a combustão rápida
do fogo, até que
só as cinzas
fiquem.

As brasas estão apagadas.

Ela, após abrir o coração
ficou como apagada
também.

sábado, 1 de junho de 2013

Havia tempos em que qualquer telefonema dela

Nenhum comentário:
Havia tempos em que qualquer telefonema dela
parecia um
cataclismo pessoal.

Hoje, tudo mais maduro
falamos apenas de
pensão alimentícia, contas outras
empregos e trabalho
e todas as coisas
chatas da vida.

Havia tempos em que qualquer telefonema dela
eu me tremia
todo.

Hoje, adultos,
é aquela velha
aporrinhação de sempre.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

É que chovia e senti

Nenhum comentário:
Não havia  nada de mais
em estar ali
em pé
o que tornou ainda
mais especial
(no sentido de estranho)
ter lembrado dela.

É que chovia e senti
uma paz danada.

sábado, 25 de maio de 2013

Pegando chuva na Avenida Presidente Vargas

Nenhum comentário:
A primeira impressão é a de gelo
conforme a chuva cai pesada.
É como quase estar nu em pelo,
Sentindo ao corpo a roupa molhada.

Sim, o corpo ensopado de frio treme
o vento castigando tal açoite;
no tempo somos navios sem leme
sob chuva, desafiando a noite.

No bolso, estragado, o documento
pela água tornado já disforme;
é de um sonho sombrio o sentimento
como o de alguém que, pelo ópio, dorme.

Estar sob temporal, portanto
é como um pesadelo gelado e irreal.
Não há silêncio, senão das águas o canto
e uma gripe danada no final.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Ela me diz que acredita

Nenhum comentário:
Ela me diz que acredita
em deuses deus gnomos duendes orixás
espíritos e essa coisa toda

(políticos honestos quem sabe)

eu, pior que são tomé
nem vendo crendo
acreditando em nada

digo "aham, aham"

mas nela, ah!, aí sim
Alice é uma deusa, escrevi aqui

nela estão meu
credo, bíblia, religião

anjos e serafins todos

Alice, ok, de joelhos
aqui estou
ok, acredito.

-Amém.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

A única coisa que Alice pede

2 comentários:
A única coisa que Alice pede é
"seja sincero"
"não minta"
"diga sempre
o que você sente"

e são pedidos claros, calmos,
cristalinos como são

diamantes ao sol

não mentir, ser sincero
se é Alice pedindo
como recusar?

peço que respire, que exista

é mais ou menos por aí

o tipo de pedido
que ela faz

e por serem tão claros e calmos
eu, obviamente

nada posso fazer senão cumprir

viver, respirar, ser sincero
com Alice

ora, é isso

comer, beber,
ser sincero com Alice
respirar
sem isso
sem Alice

ou sem comer, beber, respirar
não há vida

ser sincero com Alice é, pois,
senhoras e senhores

nada mais que isso
nada mais que, ah, respirar.

sábado, 18 de maio de 2013

Mas nem isso ele é

Um comentário:
Os islâmicos dizem
"Deus é grande!"
Eu, que não acredito em Deus, diria
"O homem é grande!"
Mas nem isso
ele é.

sábado, 4 de maio de 2013

Na cama, eu, sozinho, me odeio

2 comentários:
Mirna é passado, mas como deixar de falar dela? O fantasma abre suas asas agourento. Mirna, que já foi solar, hoje me aparece sombria. Ainda assim é leve, apesar de estranho, conversar com Mirna tanto tempo depois.

Estranho!, ela mesma disse, "você é super-estranho, essa semana mesmo dei um tempo no meu relacionamento e você reaparece do nada". Oh sim, sim. É o destino, brinco. Que haveria de ser? Mirna solteira ao longo da semana, que perigo para o mundo. Guerras foram travadas por menos. Mirna em um relacionamento arrastaria homens à morte, sozinha, então, é o convite à 3ª Guerra Mundial. Sim, sou super-estranho, e ficamos nisso. Por que haveria outra coisa?

Mas Alice, com sua intuição feminina. Me pergunta, "e a moça...?" Basta isso, sei a quem ela se refere. Alice descobriu a história toda. Generosa, encara com serenidade (como é diferente de Cecília, meu deus, voltaremos a Cecília oportunamente). Alice soube de Mirna mas não há gritos ou rancor, ciúme ou desprezo. Soube de Mirna como saberia da existência de uma galáxia distante: existe, mas nada interfere na vida cotidiana.

Alice, em sua intuição: "E a moça...?". Eu: "Nunca mais vi. Passou, não sinto mais nada". Alice sorri.

Na cama, eu, sozinho, me odeio. "Mentiroso, mentiroso".


sábado, 27 de abril de 2013

Do you speak English?

Um comentário:
Tenho dificuldades com idiomas. Detestava particularmente o inglês: as angulações, a pronúncia, a ausência de acentos. Isso tornava o idioma odioso para mim, e preferiria que o mundo falasse urdu, farsi ou qualquer outro dialeto obscuro. Inglês, jamais.

Mas deixou de ser assim. Recebo um email de Alice, o vídeo de uma música. Assisto, gosto, nada de excepcional. Respondo, "por que essa música?, faz lembrar de mim?", e, segundos depois, a resposta dela em minha caixa de emails, "yes".

Ah, por esse "yes" passei a amar de paixão o idioma de Shakespeare.


terça-feira, 9 de abril de 2013

Tendo encontrado uma foto antiga nossa

Nenhum comentário:
Tendo encontrado uma foto antiga nossa
pus-me a admirar os detalhes:
eu, sem camisa, os músculos ainda rijos,
ela, cabeça no meu colo, sorrindo
para o fotógrafo (quem era?,
não me lembro mais).

Na foto reparei como
eu olhando pra ela, enternecido
ela, sorriso de clarão de estrelas
tão bem alojada com a cabeça no meu colo
parecíamos uma pintura (de quem?,
algum romântico do séc. XIX).

Pensei em enviar a ela a foto
e perguntar quando, onde, foi tirada
aquela fotografia quase pintura
mas achei uma bobagem, meio infantil
tanto tempo, tive medo (de quê?,
se já estava tudo enterrado).


sexta-feira, 5 de abril de 2013

O anjo mau

3 comentários:
"O amor é um cão dos diabos", diz Bukowski, esse é o título de um de seus livros de poesia. Comprei por isso mesmo, pois Mirna me aparecia mefistotélica, assombrando-me de alguma profundeza infernal. E vi o livro, no jornaleiro, e o quis para mim. Era dia e era claro, mas Mirna tornava tudo nublado, não o escuro-milagre mas o escuro-susto, e eram dias em que eu esperava por uma ligação como que por algo fora desse mundo.

Me lembro bem. O celular tremendo nas mãos, o coração, descompassado, as pernas fluidas como água, a vontade de abandonar tudo e voltar para ela, óbvio, quando e se ela quisesse. E os cães do diabo latindo maliciosos, Mirna, luciferina inquisidora para me expiar os pecados.

Ah, os pecados. Sofremos por muito pouco. Quisera pecar muito mais. Enquanto esperava sentado, lia os poemas de Bukowski. "Agora me pegou de jeito", dizia um deles, algo assim, reproduzo de memória, "agora acusei o golpe". E eu que nos últimos dias nada fazia senão sofrer golpe após golpe a ponto das mãos tremerem, do coração descompassar e das pernas se desmancharem. Mais uma página, mais um poema. Tenho a impressão de parecer ridículo, mas é ilusão: as pessoas enxergam apenas um homem emocionado lendo um livrinho qualquer.

Esperando sentado e lendo Bukowski. O amor é um cão dos diabos, Mirna, Mirna, o sorriso lindo esconde o anjo mau que há em você.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

De amores exemplares

Nenhum comentário:

Amores exemplares, a História
é pródiga deles.

Por exemplo, do fraternal é aquele
entre Vincent e Théo.

Do amor de filho podemos citar
O de Liova para Leon.

Por sua vez de amor materno
é Maria
o exemplo.

João era o discípulo
preferido do Cristo

entre mestre e aluno
exemplares eram
Rumi e Shams de Tabriz.

À Humanidade, amor exemplar
o de um Gandhi?
Aquiesço, mas prefiro cá
o de um Lênin.

Da forma Bilac era amante
e os parnasianos todos.

Da guerra, Marte
Do vinho, Baco

Vênus que aos amores todos instiga
ela própria a ninguém ama.

Ah, entre homem e mulher?
Eu e você

quem sabe?


quinta-feira, 28 de março de 2013

O jurista

Nenhum comentário:
Para meu Amigo de letras jurídicas.
Jus est ars boni et aequi.

O quarto cheira a mofo, e isso
incomoda-
faz arder o nariz e espirrar.
O reboco, descascado,
ameaça cair sobre sua cabeça.
Há a umidade das paredes,
dos tacos do chão já
apodrecido.
Poeira, muita, se junta
à confusão do conjunto todo.
A estante periga cair:
sob o peso dos livros
se inclina, ameaçadora,
pregos e madeira em expressa
deterioração.
Um cabo de madeira a sustenta:
sem esse pequeno
subterfúgio
iriam ao chão estante, cadernos e livros todos.
Ao chão: onde ele já se sentou muitas vezes
quando já era difícil estar sobre as pernas.
Ainda assim, na estante inclinada pelo peso dos livros,
suspensa apenas pelo cabo de madeira improvisado
em meio ao mofo e ao reboco que cai
apesar da poeira e do piso úmido
ele, compenetrado,
olhos agudos e atentos
estuda em silêncio
Teoria Geral do Direito.


sábado, 16 de março de 2013

A deusa de pés de barro

Um comentário:
A propósito do comentário do amigo Nilo Reis, em outro post.

Alice é uma deusa, disseram, porém faltou acrescentar: uma deusa de pés de barro.

Conversávamos por telefone.

"-Passei na frente da sua casa", ela disse. "Quase toquei a campainha".

"-Por que não tocou?"

"-Tive medo de você não me receber", ela disse. "De você pensar que estou forçando um encontro".

Não receber Alice. Achar que ela queria forçar um encontro. Que heresia- da parte dela, não minha. Quando Alice passará por aqui novamente? Aguardarei essa data como a um Natal, a uma Páscoa. Será feriado no meu calendário particular: a data mais santa de todas. Uma deusa não merece menos que isso.

Mas uma deusa que tem medo do desprezo dos devotos. Isso é novidade, taí uma coisa nova no panteão.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Na depressão, à livraria

Um comentário:
Não faz muita diferença, afinal
quando já não se espera nada.
Acalme então a alma preocupada
Indo sereno pela rua transversal.

Lá fica o lar da alegria de tempos idos
o velho prédio de parede amarelada:
é que quando a vida surgia anuviada
te refugiavas em meio aos livros lidos.

Sim, para onde senão à livraria
do tédio melancólico na hora?
Assim a tristeza como que evapora
e você, aos livros, já sorria.

Versos para o espírito dorido
curiosa e insuspeita medicina;
na leitura a face se ilumina
literatura instrumento de olvido.

Enfrente a solidão que assim amua.
Não faz muita diferença afinal:
há que expurgar da tristeza o mal
na livraria do outro lado da rua.


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A semana transcorreu escura

2 comentários:
A semana transcorreu escura
não no sentido climático
a não ser que falemos
do clima
da alma.

Não, ela transcorreu escura
não porque faltassem
raios de sol

falo de outro
tipo
de trevas.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Como que congelada num cristal de sonho

Um comentário:
Foi um dia em que chovia bastante e o ar-condicionado nublava a janela. A cidade, através do vidro embaçado, parecia como que congelada num cristal de sonho. Formas vagas e indistintas lá fora, movendo-se devagar como em fluido viscoso. O cristal de sonho é inquebrável e os homens, absortos, deslizavam lentos de preocupação a preocupação.

Assim transcorria a vida dos terráqueos, vista pela janela embaçada de chuva e ar-condicionado: uma tela leitosa e grudenta como teia, úmida e diáfana, na qual os dramas e comédias se desenrolam. Quanto a mim, quem me visse a partir da rua teria a mesma impressão. Mesmo porque dentro ou fora é questão de perspectiva e nada escapa ao fluido viscoso.

Deve ser assim na superfícia de Júpiter, pensei eu, ou de Urano ou de qualquer outro planeta gasoso. Seus habitantes -caso os tenham, e quem sabe se não os têm- marchando pelo fluido leitoso, pés delicados tocando nuvens, lentos, bem lentos, através do vapor primordial. Caldo de gás que a tudo envolve, enquanto também deslizam, lentos, de preocupação -sim, também eles, os habitantes de Júpiter e de Urano- a preocupação.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Fingir ouvir com o pensamento à distância

2 comentários:
Leandro falava, no seu jeito típico, bravatas e causos, com voz já confusa da cerveja e cachaça que gostava de beber alternadas. Mas como dar atenção, se eu -também repleto de cerveja e cachaça- tinha pensamento apenas em Alice? Alice que há meses não ligava, não aparecia, Alice sem sinal de vida. E o coração apertava em saudade mas Leandro, falador contumaz, pouca solidariedade tinha para com o sentimento alheio.

E o bar já descendo as portas, e em breve o proprietário vindo nos perguntar se queremos a saideira, não sem antes trocar nossos copos de vidro por copos de plástico descartáveis. Leandro continuando suas histórias, matraca infatigável, e o pensamento somente lá em Alice. O celular arde no bolso- a vontade de discar os números, de acordá-la naquela madrugada quente, só para ouvir um "alô" e -se faltar coragem- desligar em seguida. A vontade da voz de Alice enquanto o proprietário pergunta se queremos a saideira e troca nossos copos de vidro por copos de plástico descartáveis.

Leandro, que diabos, não percebe que não dou a mínima para o que está falando? Mal te ouço- estou longe, na galáxia Alice (essa que os astrônomos ainda estão por inventar). Vá lá, Leandro, que diabos, estou aqui, continue falando: sou todo ouvidos.

E prosseguimos naquele outro bar, ainda aberto e com cerveja também gelada.

Fingir ouvir com o pensamento à distância não é arte para poucos. Ao contrário, é até trivial. Basta um pouquinho de treinamento, basta um amigo que não para de falar, basta um longo tempo sem falar com Alice.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

E o cigarro entre beijos

Nenhum comentário:
Quando Bruna veio o caos já havia passado. Mirna deixara terra arrasada, mas é da vida que a primavera volte sempre. Foi uma estadia no inferno, como a de Rimbaud, mas já escavei de volta à superfície, e eis o sol forte aqui de novo, passada a hecatombe mirniana, e eis Bruna e eu tomando um suco.

Mirna foi loucura, ela concorda, ela de tanta força sob a aparência frágil. A figura pequena de Bruna não faz jus a seu temperamento, a seu vigor. Além da força, carrega insuspeitamente uma sabedoria profunda. E com ouvidos sábios ouvia meu rosário de lamentações.

Mas há que lamentar? A tragédia mirniana pra trás, eu e Bruna ouvindo jazz na praça. Já noite já lua. E é tão natural estar com Bruna, que do sorriso para o toque é um pulo, uma coisa leva a outra e eis o beijo. E o jazz na praça e a cerveja, e o cigarro entre beijos. E os prédios do centro da cidade, e o meio-fio para mais cerveja no pé-sujo. Jazz e Bruna, uma coisa leva a outra. E eis-nos no quarto.

Foi mesmo muita cerveja e hoje já não me recordo muito. Mas da penumbra daquela noite sempre me lembrarei das pernas de Bruna me apertando fortes, enquanto eu gozava, fundo, nela.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Haikai do retorno

Um comentário:
Dedicado a João Nicoli,
pelo imerecido elogio no último post

Ressurreição?
Por que não?
Findou o ano.

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